quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Trocas

Por: Paulo Guimarães
Coordenador do MEME Grupo de Pesquisa do Movimento


Nos últimos tempos a palavra TROCAS vem rondando a nossa volta, insistindo para que lhe demos atenção e um espaço entre nós. Ela chegou de mansinho e foi conquistando seu lugar e respeito através de atitudes concretas que nos fizeram acreditar que ela exerce um papel fundamental na sociedade contemporânea, que sem ela fica muito difícil superar as dificuldades impostas por tal sociedade. E que o caminho, por mais piegas que pareça, é o da solidariedade e parcerias.

Ela nos ajudou a enxergar, não “uma luz no final do túnel”, mas vários túneis e várias luzes.






Nossa atitude foi, em primeiro lugar, “aprender a aprender” com as pessoas que já estavam ao nosso lado e demonstravam um profundo senso de colaboração e fidelidade e, em segundo, buscar parcerias que comungassem deste pensamento e que através do sistema de TROCAS pudessem colaborar em nosso desenvolvimento profissional e cívico, ajudando assim a construir uma sociedade mais humana através do exercício da arte.

Foi desta forma que partimos para encontrar parcerias que aceitassem integrar uma missão tão difícil e importante. E lá se foram sete anos...




Em fevereiro de 2010 recebo um telefonema de Campinas, da colega e amiga Márcia Strazzacappa, me fazendo um convite para dirigir e coreografar um espetáculo de dança-teatro para o encerramento do II Seminário Internacional de Educação e Estética da UNICAMP: “Entre lugares do Corpo”. Ela tinha assistido um DVD do nosso último espetáculo, TERESINHAS, e ficou muito tocada com a temática do trabalho que resolveu, além de voltar à cena, convidar três mulheres bem sucedidas; Valéria Franco, Carla Morandi e Rosane Baptistella (doutoras, mestres e mães) formadas nas primeiras turmas de Dança da UNICAMP, que este ano está completando 25 anos, para dividirem a cena. De imediato aceitei o convite, pois além de oportunizar as TROCAS com outros estados e entidades, era uma honra e um desafio dirigir mulheres que são referência para nós da área da dança.

Entre tantas idas e vindas de Campinas a Porto Alegre - no total foram sete - se passaram meses deliciosos e desgastantes, de aprendizados e conquistas que geraram frutos, entre eles nossa participação, Tiago Rinaldi e a minha, nas “Rodas de Improviso”, projeto agraciado pela FUNARTE do TUGUDUM - Campinas, um espaço alternativo de música, teatro e dança, coordenado por Valéria Franco e Dalga Larrondo, que neste ano completou 10 anos.  Logo após, resolvemos trazer estes profissionais para Porto Alegre e organizamos o III Encontro MEME de Arte Experimental: “Arte e Sustentabilidade”, de 5 á 8 de agosto de 2010. Foi um ENCONTRO de trocas entre profissionais de Porto Alegre, Pelotas e Campinas, com a participação do interior e sua contribuição nas políticas de descentralização da cultura, visto que quase tudo aqui no estado gira em torno de Porto Alegre. Foram dias inesquecíveis de TROCAS entre profissionais da arte de vários estados brasileiros e países como França e Argentina. Tivemos a oportunidade de conquistar parceiros como SESC/RS, Prefeituras de Pelotas e Porto Alegre, UNICAMP-Campinas e TUGUDUM - Campinas.

Mas o destino tinha reservado, para a conclusão deste ciclo, momentos especiais que servirão de combustível para nossa caminhada durante esta missão. Foram encontros de TROCAS únicos com pessoas que fazem a diferença, que dedicam suas vidas para a construção desta tal sociedade mais humana através da arte, há muitos anos com um trabalho sólido e consolidado. Pessoas como Luis Porter (Canadá-México) que mostrou com palavras doces e profundas como está construindo a nova escola, idealizado por Paulo Freire; pessoas como Graham Price (Nova Zelândia) que com sua simplicidade encantou nossos corações com suas canções de agradecimentos encharcadas de ensinamentos; pessoas como Ana Angélica Albano (coordenadora do Laborarte-UNICAMP) que com sua sensibilidade soube reunir seres de luz num mesmo lugar e num mesmo tempo proporcionando um seminário onde a ciência e a psicanálise reconheceram que a arte tem um poder único de transformação ao recriar o homem através da restauração da alma que sofre, dito por ninguém menos que Roberto Gambini (IAAP-International Association for Analytical Psychology),  este responsável por um dos instantes mais significativos ao apresentar sua conferência: "Chopin, Carlos Drummond de Andrade e a dor da alma”. Foram dele estas palavras:


                      “O sofrimento quando expresso pela arte adquire um status de beleza e a beleza cura...” 


Quando somos indagados por nós mesmos: - Será que vale a pena?
 


 Lembro de certa vez ouvir de uma pessoa, que a única coisa que levaremos desta vida é o quanto amamos que o resto são caprichos e vaidades humanas que vem do nosso lado negro, a razão e o ego. E, em resposta a essa indagação deixo as palavras de Ana Angélica que para ilustrar sua conferência usou a cena do filme Silêncio (Irã):

"Um menino cego, de mais ou menos 8 anos, foi ao mercado público com sua irmã (10 anos) comprar tâmaras. Ele ia com a mão no ombro dela para não se perder e ela, extremamente cuidadosa com ele, o guiava. Só que ela começou a comer uma cereja e perdeu-se neste universo sensorial e lúdico não percebendo que seu irmão também havia mergulhado no mesmo universo ao seguir um rapaz que passava com um micro system onde tocava músicas que o encantaram. Quando ela terminou de digerir a cereja percebeu que seu irmão havia sumido. Desesperada, saiu em busca do irmão aos gritos; perguntava para as pessoas, gritava, corria... até que chegou ao limite do desespero. Sem saber o que fazer e prestes a desistir ela ainda encontrou forças para lembrar que seu irmão amava música e sabia quais músicas ele gostava. Então numa última e desesperada tentativa fechou os olhos e mergulhou no universo de seu irmão seguindo os sons, foi o bastante para encontrá-lo agarrado a grade de um bar onde tocava suas canções favoritas".

Quando ouvi isto, estava em um dos momentos de dúvida e de dor da alma que a vida nos apresenta e resolvi mergulhar neste escuro. Graças a esta loucura cheguei até aqui. Mas a jornada é longa e a “missão” não acabou e por este motivo seguimos ao encontro de pessoas e entidades dispostas a TROCAR conosco.

Imagens: Necitra, clicados por Fábio Zambom.