“Whenever a dancer stands ready, that spot is holy ground”
Martha Graham
Dançar sempre fez parte da minha vida. Pequena e tímida que eu era, minha mãe conta que chegava nas festas de aniversário da minha turma e enxergava uma rodinha com várias crianças dançando e no meio de todas elas, eu.
Aos oito anos comecei a fazer ballet e em seguida resolvi “abrir” uma turma de crianças na minha casa. Minha irmã Adriana, três anos mais nova que eu, convidava as colegas do colégio e eu lhes dava aula de ballet numa sala de estar grande e vazia que tínhamos na casa que o meu pai construiu para a nossa família. Essa sala permaneceu vazia, pois a casa e a família não duraram muito, meus pais se separaram quando eu tinha 10 anos.
Nas festas de Natal, montava coreografias. Usava as fantasias dos espetáculos de fim de ano da escola ou criava outras. Ainda hoje, minha família lembra de algumas apresentações e as fotos existem para que não me deixem mentir.
O ápice de toda essa história foi o filme musical A Noviça Rebelde. A primeira vez que o assisti, no antigo cinema Presidente na avenida Benjamin Constant, estava com minha tia Renée, que me cochichava as falas ao pé do meu ouvido – eu ainda não conseguia ler as legendas. Apaixonei-me pelo filme e pelas músicas cantadas pela divina Julie Andrews. E decidi montar o musical em uma das minhas férias em Atlântida. O elenco era composto por amigos e pela minha irmã. Eu dirigia, coreografava e atuava. Na verdade, tinha papel duplo: fazia a noviça e a irmã mais velha na famosa cena em que dança e canta no jardim de inverno com o seu namorado austríaco. Nós apresentávamos nas casas das nossas famílias e cobrávamos ingresso!!!! De onde eu tirava tamanha coragem? (sim, nós cantávamos em inglês!!!!).
Com o tempo, o rigor do ballet clássico acabou por me tornar uma jovem adolescente amarga por não ter o corpo “perfeito” para dançar. Vivia em crise com a balança, com a minha altura e o meu andeour. Não aceitava o corpo que tinha, passava horas com pilhas de enciclopédias em cima das pernas e dos joelhos para tê-las no formato em “x”. Meu sonho era ser anoréxica como Gelsey Kirkland, a bailarina norte-americana que definhou com a doença. Eu era jovem. E eu queria dançar. Mas dançar tinha se tornado uma cobrança e um sofrimento.
Parei de dançar por oito anos. Oito longos anos. Mas a verdade é que nunca me afastei da dança. Ela vivia dentro de mim e nos meus sonhos. Lutei para afastá-la, como se luta às vezes para esquecer um grande amor. Procurei outras atividades, me tornei professora de inglês, me formei socióloga, fiz política no DCE da Universidade. Tudo muito bacana. Mas não bastava. A dança gritava dentro de mim e eu sofria por não encontrar meios de deixá-la sair.
Martha Graham, na sua autobiografia Memórias do Sangue, diz que “...a dança é a eterna pulsação da vida, o desejo absoluto. É o desconhecido.” Ela chama o bailarino de “atleta de Deus”. Martha dedicou a sua vida à dança, morrendo aos 97 anos em 1991. Deixou um legado a todos bailarinos e artistas ao viver a dança como algo “sagrado”:
“Acho que o motivo pelo qual a dança tem mantido uma magia tão perene para o mundo é que ela tem sido o símbolo da realização da vida. Com o tempo, as descobertas científicas mais admiráveis sofrerão mudanças e talvez se tornem obsoletas. Mas a arte é eterna, pois revela a paisagem interior, que é a alma do homem.” (Memórias do Sangue, p.11)
A dança está presente na vida do homem desde os tempos mais remotos e sua origem foi como ato sagrado. Os primeiros registros de movimentos do corpo datam de 14.000 anos atrás. Mas é só no século XX que a pesquisa na dança começa a ser aprofundada. Supõe-se, através de registros históricos, que o homem paleolítico celebrava a caça através de uma dança ritual. O sentido do sagrado aqui atribuído é o da consagração, a dança leva e eleva os homens a um plano superior a si mesmos.
Com o passar dos séculos e a busca por um pensamento racional, a dança começa a ter um caráter mais cerimonial e perde um pouco da sua origem ritualística.
Para os gregos clássicos, a dança era um dom dos imortais e uma forma de comunicação entre os homens e os deuses. O filósofo Sócrates dizia que a dança formava o cidadão por completo.
Entre os romanos, pode-se destacar as danças guerreiras celebradas durante a primavera em honra a Marte, o deus da guerra.
Foi inspirada por essa origem da dança tão fortemente ligada ao sagrado que redescobri o prazer de dançar.
Ao fazer o caminho de volta e tentar chegar na pureza dos nossos ancestrais, passei a me preocupar menos com normas e regras e mais com a alegria de simplesmente dançar e criar.
Descartei preconceitos que já não me serviam mais, esqueci a grande bobagem que se diz por aí que a dança é para os “jovens” e aos 30 anos renasci e renasço a cada dia que danço, pois esta é a minha necessidade primeira, a minha grande paixão.
Essa é uma pequena parte da minha história com a dança e o porquê dela ser sagrada para mim.
Qual a sua história?
Martha Graham
Dançar sempre fez parte da minha vida. Pequena e tímida que eu era, minha mãe conta que chegava nas festas de aniversário da minha turma e enxergava uma rodinha com várias crianças dançando e no meio de todas elas, eu.
Aos oito anos comecei a fazer ballet e em seguida resolvi “abrir” uma turma de crianças na minha casa. Minha irmã Adriana, três anos mais nova que eu, convidava as colegas do colégio e eu lhes dava aula de ballet numa sala de estar grande e vazia que tínhamos na casa que o meu pai construiu para a nossa família. Essa sala permaneceu vazia, pois a casa e a família não duraram muito, meus pais se separaram quando eu tinha 10 anos.
Nas festas de Natal, montava coreografias. Usava as fantasias dos espetáculos de fim de ano da escola ou criava outras. Ainda hoje, minha família lembra de algumas apresentações e as fotos existem para que não me deixem mentir.
O ápice de toda essa história foi o filme musical A Noviça Rebelde. A primeira vez que o assisti, no antigo cinema Presidente na avenida Benjamin Constant, estava com minha tia Renée, que me cochichava as falas ao pé do meu ouvido – eu ainda não conseguia ler as legendas. Apaixonei-me pelo filme e pelas músicas cantadas pela divina Julie Andrews. E decidi montar o musical em uma das minhas férias em Atlântida. O elenco era composto por amigos e pela minha irmã. Eu dirigia, coreografava e atuava. Na verdade, tinha papel duplo: fazia a noviça e a irmã mais velha na famosa cena em que dança e canta no jardim de inverno com o seu namorado austríaco. Nós apresentávamos nas casas das nossas famílias e cobrávamos ingresso!!!! De onde eu tirava tamanha coragem? (sim, nós cantávamos em inglês!!!!).
Com o tempo, o rigor do ballet clássico acabou por me tornar uma jovem adolescente amarga por não ter o corpo “perfeito” para dançar. Vivia em crise com a balança, com a minha altura e o meu andeour. Não aceitava o corpo que tinha, passava horas com pilhas de enciclopédias em cima das pernas e dos joelhos para tê-las no formato em “x”. Meu sonho era ser anoréxica como Gelsey Kirkland, a bailarina norte-americana que definhou com a doença. Eu era jovem. E eu queria dançar. Mas dançar tinha se tornado uma cobrança e um sofrimento.
Parei de dançar por oito anos. Oito longos anos. Mas a verdade é que nunca me afastei da dança. Ela vivia dentro de mim e nos meus sonhos. Lutei para afastá-la, como se luta às vezes para esquecer um grande amor. Procurei outras atividades, me tornei professora de inglês, me formei socióloga, fiz política no DCE da Universidade. Tudo muito bacana. Mas não bastava. A dança gritava dentro de mim e eu sofria por não encontrar meios de deixá-la sair.
Martha Graham, na sua autobiografia Memórias do Sangue, diz que “...a dança é a eterna pulsação da vida, o desejo absoluto. É o desconhecido.” Ela chama o bailarino de “atleta de Deus”. Martha dedicou a sua vida à dança, morrendo aos 97 anos em 1991. Deixou um legado a todos bailarinos e artistas ao viver a dança como algo “sagrado”:
“Acho que o motivo pelo qual a dança tem mantido uma magia tão perene para o mundo é que ela tem sido o símbolo da realização da vida. Com o tempo, as descobertas científicas mais admiráveis sofrerão mudanças e talvez se tornem obsoletas. Mas a arte é eterna, pois revela a paisagem interior, que é a alma do homem.” (Memórias do Sangue, p.11)
A dança está presente na vida do homem desde os tempos mais remotos e sua origem foi como ato sagrado. Os primeiros registros de movimentos do corpo datam de 14.000 anos atrás. Mas é só no século XX que a pesquisa na dança começa a ser aprofundada. Supõe-se, através de registros históricos, que o homem paleolítico celebrava a caça através de uma dança ritual. O sentido do sagrado aqui atribuído é o da consagração, a dança leva e eleva os homens a um plano superior a si mesmos.
Com o passar dos séculos e a busca por um pensamento racional, a dança começa a ter um caráter mais cerimonial e perde um pouco da sua origem ritualística.
Para os gregos clássicos, a dança era um dom dos imortais e uma forma de comunicação entre os homens e os deuses. O filósofo Sócrates dizia que a dança formava o cidadão por completo.
Entre os romanos, pode-se destacar as danças guerreiras celebradas durante a primavera em honra a Marte, o deus da guerra.
Foi inspirada por essa origem da dança tão fortemente ligada ao sagrado que redescobri o prazer de dançar.
Ao fazer o caminho de volta e tentar chegar na pureza dos nossos ancestrais, passei a me preocupar menos com normas e regras e mais com a alegria de simplesmente dançar e criar.
Descartei preconceitos que já não me serviam mais, esqueci a grande bobagem que se diz por aí que a dança é para os “jovens” e aos 30 anos renasci e renasço a cada dia que danço, pois esta é a minha necessidade primeira, a minha grande paixão.
Essa é uma pequena parte da minha história com a dança e o porquê dela ser sagrada para mim.
Qual a sua história?
Fernanda Stein
Fontes bibliográficas:
Memórias do Sangue – uma autobiografia – Martha Graham
A Dança e sua característica sagrada – Marta Claus Magalhães