Antônio Hohlfeldt
17/4/2009 - Jornal do Comércio
Há cerca de trinta anos, um nascente conjunto coreográfico de Minas Gerais, o Grupo Corpo, contando com músicas de Milton Nascimento e coreografia do argentino Oscar Araiz, criava um balé inesquecível, Maria, Maria. Tantos anos depois, sob a mesma perspectiva de abordar a história de uma mulher individualmente considerada, mas idealizada como uma espécie de metáfora da condição feminina e, portanto, coletiva, o coreógrafo Paulo Guimarães realiza Teresinhas, com música de Tiago Rinaldi. Ele a executa ao vivo, contando com algumas colagens de obras de Vinicius de Morais, que também comparece em gravação.
O tema é inspirado na mãe do coreógrafo, Teresinha Jardim Machado. Ela, inclusive, que grava o texto memorialístico do espetáculo e na última noite se encontrava no teatro. Paulo Guimarães conseguiu realizar um trabalho extraordinário. Ao prosaísmo do texto memorialístico, em que Teresinha relembra o pai que a criou sozinho, em suas costas; e depois fala de seu casamento, aos 17 anos, e de suas filhas e de sua separação, opõe-se/completa a coreografia altamente erótica, tanto no sentido da sensualidade quanto no de vitalidade que se opõe à morte e à derrota. O resultado é um espetáculo verdadeiramente inesquecível, profundamente emocionante e que, não por um acaso, recebeu premiações e, sobretudo, a consagração do público. Eis um mistério do boca-a-boca. A sala Álvaro Moreyra, na última noite da temporada, estava absolutamente lotada e muita gente certamente ainda ficou na rua.
A coreografia de Paulo Guimarães não é fácil. Ele desafia a bailarina num movimento que literalmente lhe tira o chão dos pés. A coreografia, aliás, está muito apoiada no chão, mas este chão serve apenas para que a figura se projete em movimentos que traduzem tensão expressa na oposição entre aquele prosaísmo da narrativa e a sensualidade do corpo presente em cena. Os movimentos são rápidos, radicais e nervosos.
Por se tratar de um trabalho produzido a partir de um Centro Experimental do Movimento, não se segue a estética comum. Não temos, necessariamente, bailarinas jovens e esbeltas. Temos mulheres, de várias idades, da mais jovem à mais idosa, que descobriram seu corpo e suas potencialidades. A coreografia respeita a cada uma e trata de dar a cada uma delas a sua oportunidade, outro momento que evidencia a imensa sensibilidade do criador, porque faz isso sem perder uma perspectiva de conjunto, rigorosamente obedecida.
O enredo avança, da infância da personagem à sua maturidade. A coreografia, por seu lado, desdobra-se em movimentos que vão do intimismo ao desbragado, desafiando o equilíbrio e a atração terrestre. Para isso, Paulo Guimarães contou com um conjunto certo de intérpretes. Cada bailarina recebeu um movimento condizente com sua capacidade. Isso não impede de se desenvolverem movimentos coletivos que são unissonamente realizados, mostrando sintonia e disciplina. Mas sem automatismo ou rotina. Isso encanta. O espetáculo possui sensibilidade. Do violão ao canto coral, do solo ao movimento coletivo, a plateia se identifica com a personagem - não só a figura individual daquela Teresinha original - mas com todas as Teresinhas do mundo, quer dizer, com todas as mulheres que, no universo, são capazes de enfrentar e vencer seus desafios, com coragem, mas também com sensibilidade.
No final do espetáculo, é possível adquirir o vídeo deste trabalho. Eu tratei de comprá-lo. Quero passar por ele muitas vezes, não mais para escrever um comentário, mas para vivenciar esta sensibilidade do criador, que é capaz de descobrir e de revelar aos espectadores a essência feminina, a partir de sua mãe.
A ambientação cênica de Rudinei Morales; os figurinos do grupo, sempre em tons entre beges e verdes claros; a iluminação cuidada de Fabrício Simões; a alternância entre prosa e poesia bailada, mais a precisa realização da coreografia, a cargo de Adriane Vieira, Ângela Coelho, Ariane Donato, Fernanda Stein, Marina Stumpf, Thais Freitas e Walkiria Araújo; e a música de Tiago Rinaldi, que é um excelente compositor e um intérprete de bela e voz e tonalidade muito sensível, fizeram deste um espetáculo verdadeiramente inesquecível. Pena que a temporada acabou. Este é um daqueles espetáculos raros que merecem uma nova temporada. Não por acaso, o público sabe e entende o que é bom e o que lhe toca, verdadeiramente, a alma.
17/4/2009 - Jornal do Comércio
Há cerca de trinta anos, um nascente conjunto coreográfico de Minas Gerais, o Grupo Corpo, contando com músicas de Milton Nascimento e coreografia do argentino Oscar Araiz, criava um balé inesquecível, Maria, Maria. Tantos anos depois, sob a mesma perspectiva de abordar a história de uma mulher individualmente considerada, mas idealizada como uma espécie de metáfora da condição feminina e, portanto, coletiva, o coreógrafo Paulo Guimarães realiza Teresinhas, com música de Tiago Rinaldi. Ele a executa ao vivo, contando com algumas colagens de obras de Vinicius de Morais, que também comparece em gravação.
O tema é inspirado na mãe do coreógrafo, Teresinha Jardim Machado. Ela, inclusive, que grava o texto memorialístico do espetáculo e na última noite se encontrava no teatro. Paulo Guimarães conseguiu realizar um trabalho extraordinário. Ao prosaísmo do texto memorialístico, em que Teresinha relembra o pai que a criou sozinho, em suas costas; e depois fala de seu casamento, aos 17 anos, e de suas filhas e de sua separação, opõe-se/completa a coreografia altamente erótica, tanto no sentido da sensualidade quanto no de vitalidade que se opõe à morte e à derrota. O resultado é um espetáculo verdadeiramente inesquecível, profundamente emocionante e que, não por um acaso, recebeu premiações e, sobretudo, a consagração do público. Eis um mistério do boca-a-boca. A sala Álvaro Moreyra, na última noite da temporada, estava absolutamente lotada e muita gente certamente ainda ficou na rua.
A coreografia de Paulo Guimarães não é fácil. Ele desafia a bailarina num movimento que literalmente lhe tira o chão dos pés. A coreografia, aliás, está muito apoiada no chão, mas este chão serve apenas para que a figura se projete em movimentos que traduzem tensão expressa na oposição entre aquele prosaísmo da narrativa e a sensualidade do corpo presente em cena. Os movimentos são rápidos, radicais e nervosos.
Por se tratar de um trabalho produzido a partir de um Centro Experimental do Movimento, não se segue a estética comum. Não temos, necessariamente, bailarinas jovens e esbeltas. Temos mulheres, de várias idades, da mais jovem à mais idosa, que descobriram seu corpo e suas potencialidades. A coreografia respeita a cada uma e trata de dar a cada uma delas a sua oportunidade, outro momento que evidencia a imensa sensibilidade do criador, porque faz isso sem perder uma perspectiva de conjunto, rigorosamente obedecida.
O enredo avança, da infância da personagem à sua maturidade. A coreografia, por seu lado, desdobra-se em movimentos que vão do intimismo ao desbragado, desafiando o equilíbrio e a atração terrestre. Para isso, Paulo Guimarães contou com um conjunto certo de intérpretes. Cada bailarina recebeu um movimento condizente com sua capacidade. Isso não impede de se desenvolverem movimentos coletivos que são unissonamente realizados, mostrando sintonia e disciplina. Mas sem automatismo ou rotina. Isso encanta. O espetáculo possui sensibilidade. Do violão ao canto coral, do solo ao movimento coletivo, a plateia se identifica com a personagem - não só a figura individual daquela Teresinha original - mas com todas as Teresinhas do mundo, quer dizer, com todas as mulheres que, no universo, são capazes de enfrentar e vencer seus desafios, com coragem, mas também com sensibilidade.
No final do espetáculo, é possível adquirir o vídeo deste trabalho. Eu tratei de comprá-lo. Quero passar por ele muitas vezes, não mais para escrever um comentário, mas para vivenciar esta sensibilidade do criador, que é capaz de descobrir e de revelar aos espectadores a essência feminina, a partir de sua mãe.
A ambientação cênica de Rudinei Morales; os figurinos do grupo, sempre em tons entre beges e verdes claros; a iluminação cuidada de Fabrício Simões; a alternância entre prosa e poesia bailada, mais a precisa realização da coreografia, a cargo de Adriane Vieira, Ângela Coelho, Ariane Donato, Fernanda Stein, Marina Stumpf, Thais Freitas e Walkiria Araújo; e a música de Tiago Rinaldi, que é um excelente compositor e um intérprete de bela e voz e tonalidade muito sensível, fizeram deste um espetáculo verdadeiramente inesquecível. Pena que a temporada acabou. Este é um daqueles espetáculos raros que merecem uma nova temporada. Não por acaso, o público sabe e entende o que é bom e o que lhe toca, verdadeiramente, a alma.
Um comentário:
Já assisti ao Espetáculo 5 vezes, se não me engano, mas depois deste artigo posso dizer que não sou mais suspeita para falar. O professor Antônio Hohlfeldt traduziu como poucos o "Teresinhas" e a melhor coisa é escutar das pessoas para as quais indico o artigo a seguinte frase: "Preciso assistir esse espetáculo!". Acredito que essa reação demonstra a importância deste artigo para o Grupo Meme. Estejam certos de que o espetáculo é tudo isso mesmo!
Parabéns Pessoal, pois vocês fazem por merecer!
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